Produção industrial de lítio: como tudo começou
Foi em Langelsheim, na fábrica da Metallgesellschaft AG, situada nos arredores desta cidade alemã, que teve lugar a primeira produção industrial de lítio, há cerca de um século.
Os átomos de lítio estão entre os mais antigos elementos químicos do Universo, com 13,8 mil milhões de anos. Mas, surpreendentemente, a primeira produção industrial só teve lugar há cerca de um século, em 1923.
Tudo começou em Langelsheim, uma pequena localidade na Baixa Saxónia, Alemanha, situada ao longo do rio Innerste, na orla das montanhas de Harz, ricas em minérios de cobre, ferro, prata, chumbo e zinco, e onde a extração e a refinação anos é uma atividade milenar. Foi neste cenário que a Metallgesellschaft AG, uma das maiores empresas metalúrgicas e químicas do país no início do século XX, estabeleceu a primeira unidade industrial de produção de lítio.
Fundada em 1881, a Metallgesellschaft AG cedo teve de responder a um desafio da época: os rolamentos das rodas dos então novos comboios a vapor precisavam de ser feitos de um metal que não aquecesse excessivamente ao transportar grandes cargas a alta velocidade e que fosse resistente ao desgaste.
Tradicionalmente, eram utilizadas ligas de estanho, mas, durante a Primeira Guerra Mundial, a escassez de estanho impôs a necessidade de encontrar uma alternativa. Entre os que trabalhavam para encontrar uma solução encontrava-se Jan Czochralski, um químico alemão da Metalurgische Gesellschaft AG, filial da Metallgesellschaft. A investigação de Czochralski levou ao desenvolvimento de uma nova liga de chumbo antifricção barata que ficou conhecida como Bahnmetall (literalmente “metal ferroviário” em alemão), “metal B” ou metal Lurgi. Ao contrário do chumbo puro (Pb), que pode ser cortado com uma faca de mesa e derrete a 327,5 °C, esta nova liga, que incorporava 0,7% de cálcio (Ca) e 0,6% de sódio (Na), era muito mais dura, revelando-se um excelente substituto para os rolamentos à base de estanho.
Para satisfazer a procura deste novo Bahnmetall, a Metallgesellschaft, que detinha a patente, adquiriu a fábrica metalúrgica Hans-Heinrich-Hütte, em Langelsheim.
Esta mudança viria a ser crucial para a “redescoberta” do lítio. Tudo porque, fruto de mais pesquisas, foi desenvolvida uma nova liga metálica, feita com a adição de 0,04% de lítio, aproveitando a matéria-prima existente na zona. E essa mistura resultava ainda melhor nos rapidíssimos e pesados comboios!
Foi uma mudança total para o lítio, que, até então, era considerado uma curiosidade exótica, utilizado para tratar a gota (sem sucesso) e em fogos de artifício (pela cor vermelha que projetava no céu), mas em quantidades limitadas para pesquisa ou aplicações muito específicas.
As pistas para a investigação vinham de outra vertente. O lítio que se extraía em Langelsheim era empregue na produção de graxas lubrificantes, valorizadas pela sua capacidade de suportar altas temperaturas, e também na indústria de vidro e cerâmica, onde era utilizado para melhorar a resistência ao calor e a transparência do vidro.
Todavia, enquanto o chumbo, o cálcio e o sódio eram todos produzidos industrialmente, o lítio não o era. Em 1920, quando a linha de produção Bahnmetall foi criada, não havia produção industrial de lítio em nenhum lugar do mundo. Assim, quando foi desenvolvida a nova liga, a Metallgesellschaft teve de criar todo um processo de produção industrial para satisfazer a nova procura de lítio metálico.
Embora Czochralski não tenha sido diretamente responsável pela produção de lítio, ele fazia parte de um ambiente científico e industrial que promovia o desenvolvimento de novos materiais, o que incluía este trabalho pioneiro.
Por volta de 1923, a empresa iniciava aquela que seria a primeira produção de lítio à escala industrial para uso comercial.
O lítio começou por ser extraído do zinnwaldite, minério que se encontra em depósitos de granito e pegmatito, especialmente em regiões como Zinnwald. O processo empregue para essa extração seguiu os trabalhos do químico francês Antoine Nicolas Guntz em 1893, que fizeram com que a zinnwaldite fosse tratada com ácido e transformada em carbonato de lítio (Li2 CO3).
A lepidolita, outro mineral, foi também processada para a produção de carbonato de lítio, um composto que se tornaria a base para muitas outras aplicações. O processo de extração envolvia a trituração do mineral, seguido por uma série de processos químicos que permitiam a separação do lítio dos outros componentes.
Ao longo dos anos 1920 e 1930, a procura por lítio continuou a crescer, impulsionada pela expansão das indústrias químicas e metalúrgicas. Reconhecendo o potencial comercial do lítio, a Metallgesellschaft AG aumentou a capacidade de produção em Langelsheim e começou a explorar novas aplicações, entre as quais as caixas de eixo dos comboios germânicos durante os trinta anos seguintes. Foi apenas a partir de 1955 que os rolamentos Bahnmetall foram eliminados dos caminhos-de-ferro alemães, substituídos por um novo sistema que utilizava rolamentos de esferas.
O êxito da produção em Langelsheim fixou também um modelo para outras indústrias em diversos locais do mundo, ajudando a estabelecer o lítio como um recurso essencial na economia global.
A sucesso industrial fez disparar a produção de Bahnmetall, o que, por sua vez, criou mais procura de lítio. Apenas quatro anos mais tarde, a Maywood Chemical Company, em New Jersey, EUA, iniciou também a produção de lítio, seguida pela Foote Mineral Company, Kerr-McGee e Lithium Corporation of America (LCA) no final da década de 1930/1940. No final da década de 1940, o lítio estabeleceu-se como uma especialidade química de grande valor.
Hoje, a fábrica de lítio em Langelsheim, onde tudo começou, ainda está em funcionamento, e é atualmente propriedade da norte-americana Albemarle Corporation.